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SACROSANCTUM CONCILIUM

Na constituição Sacrosanctum Concilium (SC) sobre a sagrada liturgia, promulgada a 4 de Dezembro de 1963, fruto do Concílio Vaticano II, encontramos: «Em tão grande obra, que permite que Deus seja perfeitamente glorificado e que os homens se santifiquem, Cristo associa sempre a si a Igreja, sua esposa muito amada, a qual invoca o seu Senhor e por meio dele rende culto ao Eterno Pai.

Com razão se considera a Liturgia como o exercício da função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis santificam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens; nela o Corpo Místico de Jesus Cristo – cabeça e membros – presta a Deus o culto público integral» (SC 7).

A liturgia, cuja parte essencial é constituída pelos sacramentos, é toda ela um sinal sagrado, assim como o é a própria Igreja: o elemento visível é sinal eficaz de uma realidade sobrenatural; eficácia que é diferente consoante os sinais sacramentais ou demais sinais, mas ao mesmo tempo análoga pois todos eles tornam presente Cristo e a acção do Espírito Santo.

A acção litúrgica não só faz subir para Deus a oração de adoração (acção de graças) e de súplica da Igreja, como também faz descer sobre a própria Igreja e os seus membros a graça da redenção.

A economia da salvação é o lugar e natureza próprios da liturgia. A liturgia pertence ao povo cristão, o qual, pelo Baptismo, fica depurado (limpo, preparado, chamado...) a tomar parte activa na mesma, sob a direcção e a presidência do sacerdócio ministerial.


CENTRALIDADE DO MISTÉRIO PASCAL DE CRISTO

A liturgia, enquanto celebração, não é senão a manifestação, presença e comunicação rituais do mistério pascal de Cristo para a vida dos fiéis. Daí que, no centro de toda a ação litúrgica, se situem os ritos e festas que celebram o mistério pascal de modo nuclear: a Eucaristia e o Tríduo Pascal.

Para entendermos a liturgia como memorial do mistério pascal de Cristo é necessário ter consciência da estreita relação entre Igreja, Liturgia (eucaristia) e memória. Tal vínculo encontra o seu fundamento nos acontecimentos que deram origem ao mistério da Igreja e, de modo especial, o mandato eucarístico reconhecido nos relatos da instituição transmitidos pelo NT e textos litúrgicos: “fazei isto em memória de Mim”.

A memória ritual (“isto”) torna-se o núcleo da própria tradição eclesial: “eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus na noite em que era entregue, tomou pão…” (1Cor 11,23). A obra da nossa redenção, presente, manifestada e comunicada nos mistérios de Cristo, continua presente, manifesta e comunicada na atualidade histórica através dos mistérios da liturgia. O rito litúrgico é a linguagem na qual se expressa o diálogo de comunhão de Deus com o homem na Igreja.

A celebração litúrgica é, no seu núcleo mais radical, oração, participação no diálogo de comunhão de CristoIgreja com o Pai: “A liturgia é também participação na oração de Cristo, dirigida ao Pai no Espírito Santo” (CIC 1073).


A LITURGIA, OBRA DA SANTÍSSIMA TRINDADE

Celebrar a liturgia é compreender que o Senhor é Deus e se nos manifestou; perceber ou contemplar - ver, escutar, sentir, saborear - nos sinais e ações simbólicas do ato sacramental a manifestação e presença de Deus: a liturgia é, em primeiro lugar, uma teofania. Deus manifesta a sua força e o homem reconhece-a, adora-a e glorifica-o. A compreensão da liturgia é mais completa e coerente quando se situa dentro da economia salvífica projetada e revelada pelo Pai, cumprida pelo Filho e Nosso Senhor Jesus Cristo e levada a cabo (realizada) pelo Espírito Santo na Igreja.

A noção de liturgia, enquanto presença atual da obra e da pessoa de Cristo, pressupõe a sua constituição segundo a Dialética trinitária da economia do mistério: toda a celebração sacramental - e de forma eminente a Eucaristia - vive os três movimentos da Páscoa de Jesus: o Pai dá-nos o seu Filho amado, o Verbo assume a nossa carne e a nossa morte para que ressuscitemos com Ele, e o seu Espírito faz-nos entrar na comunhão eterna do Pai. Trata-se de viver a liturgia como ação da Trindade.

O Pai é quem age por nós nos mistérios celebrados; é Ele que nos fala, nos perdoa, nos escuta, nos dá o seu Espírito; a Ele nos dirigimos, o escutamos, louvamos e invocamos. Jesus é quem atua em razão da nossa santificação, fazendo-nos participantes do seu mistério.

O Espírito Santo é o que intervém com a sua graça e nos converte no corpo de Cristo, a Igreja (cf. João Paulo II EE, 71). Na verdade, em toda a celebração sacramental agem os três atores - o Pai, o Filho e o Espírito Santo - da liturgia eterna. A Trindade Santa difunde as suas energias deificantes e a glorifica. Se a separamos do mistério trinitário, a liturgia fica limitada a mera obra humana, a simples expressão cultural do acontecimento cristão e não a dom gratuito de comunhão divina.

A dimensão trinitária da liturgia constitui o princípio teológico fundamental da sua natureza, bem como a lei da sua celebração: a ressurreição de Cristo com a doação do Espírito está na origem da liturgia da Igreja.


A CELEBRAÇÃO LITÚRGICA: PRESENÇA DE CRISTO

Como vimos acima, e seguindo a doutrina conciliar, a ação litúrgica foi descrita como “celebração do mistério para a vida”. Presença, manifestação e comunicação rituais do mistério são, nesta perspectiva, o significado mais profundo da celebração de culto. A manifestação do mistério como sua comunicação derivam, em última instância, do acontecimento da sua presença. Assim, manifestação e comunicação do mistério são dimensões subordinadas à realidade da presença.

A celebração litúrgica é essencialmente ressonância ou, melhor, presença sempre atual do mistério de Cristo, realizado de uma vez por todas: “A liturgia cristã não se limita a recordar os acontecimentos que nos salvaram: actualiza-os, torna-os presentes” (CIC 1104). Ainda que a liturgia se celebre necessariamente por meio de um código simbólico - o rito - o seu significado não provem dos símbolos usados, mas sim do fundamento e origem cristo-eclesiológico expresso no mandato institucional: “fazei isto em memória de Mim” (cf Lc 22,19; 1Cor 11,24-25).

A liturgia nasce da Páscoa, do acontecimento fondante e fundamental… não dos seus símbolos ou rito. O rito atualiza e expressa esse momento único e fundamental. Sem perder o seu caráter simbólico, o rito eclesial de culto é, primordialmente, uma ação sacramental: “a obra de Cristo na liturgia é sacramental, porque o seu mistério de salvação torna-se ali presente pelo poder do seu Espírito Santo” (CIC 1111). A celebração litúrgica continua, por isso, na Igreja, o mistério de Cristo até ao fim dos tempos.

Fiel ao mandato recebido do Senhor, a Igreja atualiza na celebração do culto a obra da redenção. Na liturgia, o próprio Cristo está presente e age por toda a Igreja e com a Igreja. Cristo e a Igreja (Christus totus) são os sujeitos da celebração.